26/07/2016

ROMARIA DOS MÁRTIRES DA CAMINHADA

Celebração da vida e da esperança.



O desejo sonhava ser possibilidade desde o convite, feito à cartaz, ano passado nas primeiras divulgações da Romaria dos mártires da caminhada, e estendido por amigos e amigas, ansiosos de (re)encontros naquela terra santa, cravada de sangue e suor de um povo sofrido.
Fiz e faço questão de dizer que sou mato-grossense, para todas e todos que tive a oportunidade de me apresentar, nesses caminhos por onde andei. E longe de mim ser pelas riquezas do agronegócio que este estado exporta do País, destruindo matas, infertilizando a solo e enriquecendo alguns; mas sim pelo histórico de lutas e resistências daqueles e daquelas que permaneceram e permanecem sobrevivendo nessa terra e esperançosos na construção do outro mundo possível.
Morei nas terras da Prelazia de São Félix do Araguaia, dos cinco aos nove anos de idade. Fora lá o contato com o primeiros índios carajás-beiço-de-pau, do alto Xingú; foram lá os primeiros anos de escola, de semeio à terra, de pescaria, dos cavalos e das vacas leiteiras; fora lá que me encantei com o colorido das borboletas e com o canto dos pássaros; fora lá, naqueles barracos de palha e sem muros, que meu quintal parecia ser o mundo todo.
Bem mais tarde, perto do hoje, descobri que a terra dos meus avós, onde eu cresci brincando, fora conquistada com muita luta, sob muitas ameaças àqueles que só desejara um pedaço de terra para plantar, colher e criar os filhos. Descobri que nessas terras houve (e há) conflitos onde os pequenos sempre morriam, ou pelos grandes fazendeiros ou pela polícia militar (aqui os fatos se confundem, por andarem juntos); e onde estes filhos da terra, eram jogados nas águas do Araguaia ou enterrados com o rosto voltados ao Rio.
Fora também para essas terras que mandaram o Pe. Pedro Casaldáliga, hoje bispo emérito, para assumir a missão da Igreja de evangelizar em terras distantes, e que se compadeceu com o sofrimento dos sem-terras e indígenas, dos ribeirinhos, lavadeiras e prostitutas. Fora lá que a Igreja se faria e se convertia a uma teologia dos pobres e dos marginalizados. E também fora lá que essa mesma Igreja perdera o Pe. João Bosco Burnier e tantos e tantas outras gentes da gente. Pessoas da caminhada, rumo à libertação.
Foram para lá que semana passada, dias 16 e 17 de julho, em caravana, partiram gente de todas as regiões do Brasil, para celebrarmos essa história de libertação, de vida e de esperança; para fazermos memória de vidas, dos campos e cidades, doadas pela Vida; para nos colocarmos em comunhão com todas as vidas e com a vida do mártir Jesus; para regarmos a esperança na Igreja dos pobres; pela defesa dos direitos humanos, pelo cuidado com a Terra e a Casa Comum; para fortalecermos o compromisso com a vida das juventudes marginalizadas, onde a Pastoral da Juventude de faz presente, e também onde precise estar.
Fora lá que a fogueira foi acesa e que inspirou o amigo Jardel Santana a partilhar os escritos: “Num tempo em que tantos desafios políticos, sociais, econômicos, culturais e eclesiais são como ventos frios que ameaçam as vidas, acender a fogueira aqueceu nossos corpos e nossas esperanças. Aqueceu-nos a presença do profeta Dom Pedro Casaldáliga. Ele que mesmo na fragilidade da saúde continua sendo testemunho de luta e de esperança, deu-nos o exemplo de seu projeto, do projeto do Reino da Vida”.
Um filósofo um dia escrevera “eu sou: eu e minhas circunstâncias” (Ortega y Gasset). Essa frase, ocultando a pergunta ontológica (quem sou eu?), mexera comigo de uma forma diferente das outras. Tamanha a estranheza que venho sendo conduzido na missão de interpretá-la, para sossego das minhas angústias. Sinto que parte dessa pergunta fora respondida nos contextos e intertextos desta Romaria. As minhas circunstâncias se misturam com as vossas. E juntos e juntas assumimos a missão de construirmos a Civilização do Amor, da Justiça e da Paz.

Amém. Axé. Awere. Aleluia!
                                                                       
                                                                         Raphael Alves
                                                                        Pontal do Araguaia – MT, 21 de julho de 2016.

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