Celebração
da vida e da esperança.
O desejo sonhava ser
possibilidade desde o convite, feito à cartaz, ano passado nas primeiras
divulgações da Romaria dos mártires da caminhada, e estendido por amigos e
amigas, ansiosos de (re)encontros naquela terra santa, cravada de sangue e suor
de um povo sofrido.
Fiz e faço questão de dizer
que sou mato-grossense, para todas e todos que tive a oportunidade de me
apresentar, nesses caminhos por onde andei. E longe de mim ser pelas riquezas
do agronegócio que este estado exporta do País, destruindo matas,
infertilizando a solo e enriquecendo alguns; mas sim pelo histórico de lutas e
resistências daqueles e daquelas que permaneceram e permanecem sobrevivendo
nessa terra e esperançosos na construção do outro mundo possível.
Morei nas terras da Prelazia
de São Félix do Araguaia, dos cinco aos nove anos de idade. Fora lá o contato
com o primeiros índios carajás-beiço-de-pau, do alto Xingú; foram lá os
primeiros anos de escola, de semeio à terra, de pescaria, dos cavalos e das
vacas leiteiras; fora lá que me encantei com o colorido das borboletas e com o
canto dos pássaros; fora lá, naqueles barracos de palha e sem muros, que meu
quintal parecia ser o mundo todo.
Bem mais tarde, perto do
hoje, descobri que a terra dos meus avós, onde eu cresci brincando, fora
conquistada com muita luta, sob muitas ameaças àqueles que só desejara um
pedaço de terra para plantar, colher e criar os filhos. Descobri que nessas
terras houve (e há) conflitos onde os pequenos sempre morriam, ou pelos grandes
fazendeiros ou pela polícia militar (aqui os fatos se confundem, por andarem
juntos); e onde estes filhos da terra, eram jogados nas águas do Araguaia ou
enterrados com o rosto voltados ao Rio.
Fora também para essas
terras que mandaram o Pe. Pedro Casaldáliga, hoje bispo emérito, para assumir a
missão da Igreja de evangelizar em terras distantes, e que se compadeceu com o
sofrimento dos sem-terras e indígenas, dos ribeirinhos, lavadeiras e
prostitutas. Fora lá que a Igreja se faria e se convertia a uma teologia dos
pobres e dos marginalizados. E também fora lá que essa mesma Igreja perdera o
Pe. João Bosco Burnier e tantos e tantas outras gentes da gente. Pessoas da
caminhada, rumo à libertação.
Foram para lá que semana
passada, dias 16 e 17 de julho, em caravana, partiram gente de todas as regiões
do Brasil, para celebrarmos essa história de libertação, de vida e de
esperança; para fazermos memória de vidas, dos campos e cidades, doadas pela
Vida; para nos colocarmos em comunhão com todas as vidas e com a vida do mártir
Jesus; para regarmos a esperança na Igreja dos pobres; pela defesa dos direitos
humanos, pelo cuidado com a Terra e a Casa Comum; para fortalecermos o
compromisso com a vida das juventudes marginalizadas, onde a Pastoral da
Juventude de faz presente, e também onde precise estar.
Fora lá que a fogueira foi
acesa e que inspirou o amigo Jardel Santana a partilhar os escritos: “Num tempo em que tantos desafios políticos,
sociais, econômicos, culturais e eclesiais são como ventos frios que ameaçam as
vidas, acender a fogueira aqueceu nossos corpos e nossas esperanças.
Aqueceu-nos a presença do profeta Dom Pedro Casaldáliga. Ele que mesmo na
fragilidade da saúde continua sendo testemunho de luta e de esperança, deu-nos
o exemplo de seu projeto, do projeto do Reino da Vida”.
Um filósofo um dia escrevera
“eu sou: eu e minhas circunstâncias” (Ortega y Gasset). Essa frase, ocultando a
pergunta ontológica (quem sou eu?), mexera comigo de uma forma diferente das
outras. Tamanha a estranheza que venho sendo conduzido na missão de
interpretá-la, para sossego das minhas angústias. Sinto que parte dessa
pergunta fora respondida nos contextos e intertextos desta Romaria. As minhas
circunstâncias se misturam com as vossas. E juntos e juntas assumimos a missão
de construirmos a Civilização do Amor, da Justiça e da Paz.
Amém. Axé. Awere. Aleluia!
Raphael
Alves
Pontal do Araguaia – MT, 21 de julho de 2016.